domingo, 16 de setembro de 2012

Complexo de Electra no Recife contemporâneo



O único filme brasileiro no TIFF 2012 é pernambucano, e foi aqui que aconteceu a première mundial de ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA, com a presença de Marcelo Gomes (Cinema, Aspirina e Urubus). O filme é um dos quatro longas de ficção pernambucanos em vias de lançamento esse ano, o mais prolífico desde o ciclo do Recife. A (des) urbanização e arquitetura do Recife é o assunto mais em voga hoje na cidade, isso vem se refletindo na produção cinematográfica com muita força e o filme de Gomes é parte desse movimento. Uma pena que as ideias não sejam desenvolvidas muito bem, não só as da cidade física, mas as da história da própria Verônica. Hermila Guedes faz a personagem título e, como já provou em outras performances, funciona incrivelmente na tela, seu rosto é como um ímã. Verônica é uma médica recém-formada e efase de estágio num hospital público do Recife. Nesse meio tempo, cuida do pai doente, Francisco (W.J. Solha, de O Som ao Redor), único homem que ela ama, e mantém uma vida sexual agitada. A primeira parte do filme é muito boa, incluíndo aí uma bela orgia na introdução e ótima química entre Solha e Guedes. Todas as cenas no hospital são muito boas, fazem você desejar que o filme todo se passasse ali. Mas não se passa, e quando está fora do ambulatório e longe do pai, ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA vai, aos poucos, travando. O ritmo às vezes é bom, às vezes irregular, dependendo de qual ângulo da história estamos olhando. O filme quer declarar algo sobre a sexualidade da personagem, mas nunca passa de uma característica reafirmada várias vezes. Ela quer se divertir sexualmente, ponto. Entendo a proposta do sexo no filme, mas por algum motivo fiquei com a impressão que as cenas de sexo são longas demais, talvez fosse melhor se o foco fosse apenas no prazer de Verônica. O personagem de João Miguel, apaixonado por ela, não acrescenta muita coisa (e o subplot do falso namoro é bem inconvincente).

Há também um excesso de música que incomoda, às vezes parece um "the best of" da música pernambucana para leigos. As boas canções de Karina Buhr, que está no filme, são prejudicadas por tocar à exaustão. O recurso do diário-gravador é o pior, sempre narrando o que estamos vendo, raramente saindo da redundância. O final é uma faca de dois gumes: por um lado é um desfecho sentimental e parcialmente satisfatório à história de Verônica e Francisco e também é a única cena que traz algum resquício de conclusão para o comentário sobre a situação urbana do Recife (é pouco, mas é algo). Já a questão relacionada ao emprego de Verônica, embora gere ação narrativa, não parece condizer ideologicamente com o resto, já que ela se afastará da cidade e das pessoas que a tornaram uma boa médica e uma pessoa próxima do verdadeiro Recife. ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA traz um registro de uma parte da sociedade que geralmente não é explorada com honestidade pelo cinema brasileiro, a classe média, e tem qualidades interessantes enquanto "documento" de um local. Mas enquanto ficção, faltou um terceiro ato mais desenvolvido que oferecesse um desfecho mais completo e mais confiança na imagem do que na palavra.

ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA
Cotação: REGULAR
Visto em 14/09 no Scotiabank Theater 3
Por Filipe Marcena

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