sábado, 22 de setembro de 2012

Balanço TIFF 2012


Tom Hanks com fã em um bar após première de Cloud Atlas
A foto acima, vista por mais de 15 milhões de pessoas na internet, resume bem o estado da pessoa após um festival de cinema. Levando em consideração que eu o fiz enquanto me instalava e tentava me adaptar ao modo de vida da cidade e iniciava o curso na Universidade, fiquei um pouco pior que isso. Já recuperado, posso dizer que o saldo do TIFF 2012 foi, como esperando, fantástico. Premières mundiais, cinemas inacreditáveis, filmes muito bons, outros nem tanto, projeções assombrosas de tão perfeitas, uma celebridade aqui, outra acolá. Mesmo sendo uma experiência cara e por vezes cansativa, valeu muito a pena. Infelizmente não deu pra ver muitos filmes então, ao invés do costumeiro listão que fazemos em São Paulo apoá a Mostra SP, segue a minha modesta listinha do TIFF. Com sorte, ano que vem estarei lá de novo, mais preparado para enfrentar a maratona. Obrigado por acompanhar o Kinemail Blog, em outubro tem Mostra SP com Fernando Vaconcelos! Até breve!

Listinha TIFF 2012

IMOGENE *1/2
LA NOCHE DE ENFRENTE ****
THE IMPOSSIBLE **
POST TENEBRAS LUX ***
LAURENCE ANYWAYS **
MUCH ADO ABOUT NOTHING ****
IN ANOTHER COUNTRY ***1/2
ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA **1/2
GEBO E A SOMBRA ***
THE MASTER **

Por Filipe Marcena

Muito culto para pouco


1. Projeção em 70mm é uma coisa impressionante, que resolução. A melhor projeção digital 4K não se compara à isso. O filme, rodado no formato, ganha muito, cresce na tela. Bela experiência.

2. Estranho como hoje filmes se tornam clássicos instantâneos graças a uma boa propaganda, "Oscar buzz" e fãs que ainda nem viram a obra. Enfim, THE MASTER (2012, EUA) é praticamente uma sequência de Sangue Negro. Pelo tom, pela estética, pela vontade de falar do macro através do micro, pela opressividade, por ser protagonizado por um ator genial num papel assustador, perfeito pra ele. Paul Thomas Anderson continua a estudar as raízes da América, agora mirando no nascimento de uma religião durante o pós-guerra, inspirado pela Cientologia, no filme chamada de A Causa. Ele desafia o culto comandado por Lancaster Dodd (Phillip Seymour Hoffman) e sua esposa Peggy Dodd (Amy Adams) através do alcoólico e violento Freddie Quell (Joaquin Phoenix), um monstro que aceita ser domesticado. Por alguma razão, essa sinopse cheia de potencial não chega à muitos lugares. Falta alguma coisa em THE MASTER, talvez uma posição menos ambígua de Anderson, ou um roteiro mais enxuto e destemido. Impressão de que o filme é muito simples - às vezes simplista - para tanta pose, tanta epopéia. A favor estão as performances. Hoffman, Adams e Laura Dern estão ótimos, e só não causam maior impacto por causa da inconsistência do roteiro. Quem realmente causa impacto é Joaquin Phoenix. Na assombrosa projeção em 70mm vemos cada detalhe do seu rosto, e mesmo que não exista muita conexão emocional sua imagem causa comoção pela beleza e expressividade.

O clímax entre ele e Hoffman não funciona como deveria, mas seu close-up diz mais do que a cena inteira. Sobre a trilha, nada contra a música de Jonny Greenwood, mas Anderson precisa encontrar maneiras mais interessantes de usá-las, sem comentar o filme todo. O filme seria mais atraente se fosse mais silencioso. Triste é constatar que as ideias do filme não são tão profundas quanto aparentam. Os Dodd, assim como os seguidores da Causa, são caracterizados como lunáticos maliciosos que não sabem que o são, enquanto Freddie é um lunático assumido se esforçando para não sê-lo. Os Dodd são monocromáticos (Adams é bastante prejudicada com isso), são os mesmo do início a fim, falta substância e um arco dramático mais vertiginoso. E mesmo após a escassa crítica de Anderson à Cientologia/Causa, ele sugere que Freddie foi, de certa maneira, curado. O que THE MASTER quer afinal? Não sei, e não tenho certeza se encararia novamente a tediosa segunda metade para tentar tirar algo mais do filme. Partes muito boas não fazem um todo muito bom, e embora Anderson seja um cineasta talentoso, seria mais interessante para ele aplicar sua técnica e estética em algo mais sólido a essa altura de sua carreira. Pessoalmente, gostaria que ele fizesse algo como Embriagado de Amor de novo.

THE MASTER
Cotação: REGULAR
Visto em 21/09 no Varsity 8 (pós-festival)
Por Filipe Marcena

Estrelas nas sombras de um mestre


Fim de Festival, prêmios distribuidos, tapete vermelho recolhido, mas um pequeno grupo de estrelas de outros tempos ainda mostra porque seus nomes são lembrados nas telas do TIFF 2012. Aos incríveis e saudáveis 103 anos, Manoel de Oliveira dirige a adaptação da peça GEBO E A SOMBRA (2012, Portugal/França), de Raul Brandão. Creio que para tornar o filme mais acessível para o mercado internacional, traduziu o texto para o francês e escalou Michael Lonsdale, Claudia Cardinale e Jeanne Moreau para os papéis principais, além de seus atores-fetiche Leonor Silveira e Ricardo Trepa. O estilo de Oliveira continua o mesmo, e é com planos abertos, câmeras estáticas e longas tomadas que ele conta a história de Gebo (Lonsdale), um pobre contador de uma cidade costeira portuguesa que vive com a esposa Doroteia (Cardinale) e a nora Sofia (Silveira). Embora seja um homem de boa índole e honesto, Gebo esconde da esposa o verdadeiro paradeiro do filho João (Trepa), que saiu de casa oito anos atrás.

O segredo é a força motriz da primeira metade, fechada em diálogos e bastante claustrofóbica por se passar inteiramente numa sala de jantar (a maior parte de GEBO E A SOMBRA se passa nesse ambiente, na verdade). Eventualmente, numa bela cena, o filho pródigo retorna e verdades serão escancaradas. Algumas visitas são testemunhas (Moreau, Luis Miguel Cintra). Ao invés de "desteatralizar" a peça (como Polanski tentou no também claustrofóbico Deus da Carnificina), a mise-en-scene realça a teatralidade do texto, o que pode causar bastante impaciência para os não iniciados - muitos foram embora no meio da sessão. Acho uma escolha estética sincera, que vale o risco. Se você souber no que está entrando, pode se deliciar com os detalhes da direção do português, a aura de fenda no tempo que ele é capaz de criar, os atores fabulosos. A reviravolta do clímax é bem previsível, embora coerente. GEBO E A SOMBRA não é tão memorável quanto os mais recentes Singularidades de Uma Rapariga Loura e O Estranho Caso de Angélica, mas, ora bolas, é Manoel de Oliveira e precisa ser visto. Enquanto isso, o velhinho está produzindo seu novo filme A Igreja do Diabo, com Fernanda Montenegro e Lima Duarte. Respect.

GEBO E A SOMBRA
Cotação: BOM
Visto em 16/09 no Scotiabank Theater 11
Por Filipe Marcena

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

TIFF 2012: Vencedores


Domingo 16/09 acabou o TIFF 2012 com uma premiação feita majoritariamente pelo público. Lembrando que 10 dos vencedores do TIFF concorreram ao Oscar, e pelo menos 3 ganharam o prêmio (O Discurso do Rei, Quem Quer Ser Um Milionário? e Beleza Americana).  O vencedor do ano foi SILVER LININGS PLAYBOOK, comédia de de David O. Russell, que saiu do festival repleto de buzz para Jennifer Lawrence. O filme estreia aqui em novembro, no Brasil apenas em fevereiro. Em segundo lugar ficou ARGO, elogiado filme de Ben Affleck que entra em cartaz aqui até o fim mês e também tem lançamento garantido no Brasil. Outros vencedores incluem o thriller cômico SEVEN PSYCHOPATHS, de Martin McDonaugh (Na Mira do Chefe) e LAURENCE ANYWAYS de Xavier Dolan. Confira a lista de premiados:

BlackBerry People’s Choice Award:
Silver Linings Playbook directed by David O. Russell
Runners Up: Ben Affleck’s Argo and Eran Riklis’ Zaytoun

BlackBerry People’s Choice Documentary Award:
Artifact directed by Bartholomew Cubbins
Runners Up: Christopher Nelius & Justin McMillan’s Storm Surfers 3D and Rob Stewart’s Revolution

BlackBerry People’s Choice Midnight Madness Award:
Seven Psychopaths directed by Martin McDonagh
Runners Up: Barry Levinson’s The Bay and Don Coscarelli’s John Dies at the End

City of Toronto + Canada Goose Award for Best Canadian Feature:
Laurence Anyways directed by Xavier Dolan

Skyy Vodka Award For Best Canadian First Feature Film:
Antiviral directed by Brandon Cronenberg
(tie) Blackbird directed by Jason Buxton

FIPRESCI Prize For Special Presentations:
In the House (Dans la maison) directed by Francois Ozon

FIPRESCI Prize For Discovery Programme:
Call Girl directed by Mikael Marcimain

Best Canadian Short Film:
Keep a Modest Head directed by Deco Dawson
Honorable Mention: Mike Clattenburg’s Crackin’ Down Hard

NETPAC Award for the Best First or Second Feature:
The Land of Hope directed by Sion Sono

Festival acabou, mas ainda publico aqui em breve críticas de ELEFANTE BRANCO de Pablo Trapero, GEBO E A SOMBRA de Manoel de Oliveira e THE MASTER, de Paul Thomas Anderson.

Por Filipe Marcena

domingo, 16 de setembro de 2012

Complexo de Electra no Recife contemporâneo



O único filme brasileiro no TIFF 2012 é pernambucano, e foi aqui que aconteceu a première mundial de ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA, com a presença de Marcelo Gomes (Cinema, Aspirina e Urubus). O filme é um dos quatro longas de ficção pernambucanos em vias de lançamento esse ano, o mais prolífico desde o ciclo do Recife. A (des) urbanização e arquitetura do Recife é o assunto mais em voga hoje na cidade, isso vem se refletindo na produção cinematográfica com muita força e o filme de Gomes é parte desse movimento. Uma pena que as ideias não sejam desenvolvidas muito bem, não só as da cidade física, mas as da história da própria Verônica. Hermila Guedes faz a personagem título e, como já provou em outras performances, funciona incrivelmente na tela, seu rosto é como um ímã. Verônica é uma médica recém-formada e efase de estágio num hospital público do Recife. Nesse meio tempo, cuida do pai doente, Francisco (W.J. Solha, de O Som ao Redor), único homem que ela ama, e mantém uma vida sexual agitada. A primeira parte do filme é muito boa, incluíndo aí uma bela orgia na introdução e ótima química entre Solha e Guedes. Todas as cenas no hospital são muito boas, fazem você desejar que o filme todo se passasse ali. Mas não se passa, e quando está fora do ambulatório e longe do pai, ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA vai, aos poucos, travando. O ritmo às vezes é bom, às vezes irregular, dependendo de qual ângulo da história estamos olhando. O filme quer declarar algo sobre a sexualidade da personagem, mas nunca passa de uma característica reafirmada várias vezes. Ela quer se divertir sexualmente, ponto. Entendo a proposta do sexo no filme, mas por algum motivo fiquei com a impressão que as cenas de sexo são longas demais, talvez fosse melhor se o foco fosse apenas no prazer de Verônica. O personagem de João Miguel, apaixonado por ela, não acrescenta muita coisa (e o subplot do falso namoro é bem inconvincente).

Há também um excesso de música que incomoda, às vezes parece um "the best of" da música pernambucana para leigos. As boas canções de Karina Buhr, que está no filme, são prejudicadas por tocar à exaustão. O recurso do diário-gravador é o pior, sempre narrando o que estamos vendo, raramente saindo da redundância. O final é uma faca de dois gumes: por um lado é um desfecho sentimental e parcialmente satisfatório à história de Verônica e Francisco e também é a única cena que traz algum resquício de conclusão para o comentário sobre a situação urbana do Recife (é pouco, mas é algo). Já a questão relacionada ao emprego de Verônica, embora gere ação narrativa, não parece condizer ideologicamente com o resto, já que ela se afastará da cidade e das pessoas que a tornaram uma boa médica e uma pessoa próxima do verdadeiro Recife. ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA traz um registro de uma parte da sociedade que geralmente não é explorada com honestidade pelo cinema brasileiro, a classe média, e tem qualidades interessantes enquanto "documento" de um local. Mas enquanto ficção, faltou um terceiro ato mais desenvolvido que oferecesse um desfecho mais completo e mais confiança na imagem do que na palavra.

ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA
Cotação: REGULAR
Visto em 14/09 no Scotiabank Theater 3
Por Filipe Marcena

Cinema (quase) incidental


Embora ele trabalhe desde os anos 90, conheci o cinema do coreano Sang-soo Hong na Mostra de São Paulo do ano passado com The Day He Arrives, filme esquisito, simpático, elegante em sua repetição. Com IN ANOTHER COUNTRY (Coreia, 2012), competição Cannes 2012, Sang-soo mira num público maior, não só pela acessibilidade de sua(s) nova(s) história(s), mas também pela presença de Isabelle Huppert como protagonista. Não há complicações para "entender" o filme, embora muitos devam questionar o objetivo do estilo falso-randômico do cineasta mas, como um exercício puro de cinema, o filme é bem interessante. Conhecemos três turistas francesas, todas encarnadas por Huppert, que parece estar se divertindo bastante. Em três ciclos ligados por uma introdução que justifica a narrativa, somos apresentados a uma diretora de cinema, uma amante e uma mulher traída. O cenário é a costa coreana. Personagens se repetem, situações se repetem, algo mais forte que a verossimilhança interliga as três histórias. Adoro que Sang-soo não investe em questões espirituais ou metafísicas para justificar a narrativa - é o cinema que conecta as três francesas, de uma maneira ou de outra -, mas ainda assim elucida sobre a natureza cíclica da vida. Seu cinema continua fino, seu uso de zoom-in e zoom-out, sempre repentinos, rápidos e salientando situações-chave, é de uma precisão rara. Não sou muito fã do zoom, mas me rendo à maneira como o coreano aproveita a técnica. Ele também é um roteirista talentoso, cria personagens sólidos e curiosos, a empatia é quase imediata e é difícil esquecê-los (o salva-vidas, o casal em crise, a moça do guarda-chuva e o monge budista são pérolas). Com a presença de Huppert e a leveza da obra, IN ANOTHER COUNTRY deve fazer sucesso do circuito alternativo.

IN ANOTHER COUNTRY
Cotação: BOM
Visto em 15/09 no Scotiabank Theater 1
Por Filipe Marcena

sábado, 15 de setembro de 2012

Shakespeare Pop, by Joss Whedon


Antes de mais nada, Shakespeare já não é o texto mais fácil do mundo para uma pessoa cujo o inglês é a língua mãe, que dirá então pra mim. Dito isso, sai muito surpreso do novo filme de Joss Whedon, a adaptação da comédia MUCH ADO ABOUT NOTHING (EUA, 2012), ou Muito Barulho por Nada. Sim, Whedon é aquele homem que escreveu e dirigiu o maior sucesso de bilheteria do ano (e um dos maiores de todos os tempos) Os Vingadores. Também criou Buffy, Angel, Firefly, Serenity, co-escreveu Toy Story e brilhante O Segredo da Cabana, filme de horror ainda inédito no Brasil. Uma adaptação de Shakespeare não é exatamente o que as pessoas esperavam de Whedon, e por isso mesmo sua escolha foi genial. Trabalhando com atores  e amigos recorrentes em seus trabalhos, como Clark Gregg e Nathan Fillion, Whedon aborda o texto clássico da maneira como ele era visto em sua época: uma obra popular. Não é uma adaptação clássica, mas mantém o respeito para com Shakespeare procurando o que ele tinha de genial por baixo do cânone. E acerta em cheio. O mais impressionante é que o filme tem obviamente a marca de Whedon. Filmado em preto-e-branco, MUCH ADO ABOUT NOTHING é transposto para a contemporaneidade, focando numa família classe média e suas relações. Shakespeare foi mestre da crônica social, familiar e amorosa, e Whedon tem belos insights em sua tradução e um humor  que tanto condiz com o texto quanto agrada as plateias de hoje. Não há auto-indulgência nem auto-importância (alguém se lembra de A Tempestade de Julie Taymor?), muito menos condescendência. Whedon faz cinema popular e é bom nisso, basta ver a legião de fãs e a incrível resposta ao filme (foi aplaudido em cena aberta duas vezes, embora isso não seja um choque em se tratando de TIFF). Ao dar adeus ao academicismo (nada contra Kenneth Branagh, aliás), ele acaba de tornar Shakespeare relevante para toda uma juventude que não o conhecia bem ou tinha preconceitos, isso contando a barreira da linguagem e o fato de não ser uma obra mais popular como Romeu & Julieta. Ótimos atores, e ritmo impecável (1h47min que passam rapidinho) fazem de MUCH ADO ABOUT NOTHING um crowd-pleaser sem medo nem culpa. Muito bom ter alguém inteligente e bem humorado como Joss Whedon comandando o cinema pipoca.

MUCH ADO ABOUT NOTHING
Cotação: ÓTIMO
Visto em14/09 no Elgin Theater
Por Filipe Marcena

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Romance queer mimado


Entendo em parte o respeito que Xavier Dolan vem acumulando com o passar dos seus poucos anos de carreira. Ele é um rapaz jovem e demonstra destreza e talento ao lidar com a técnica do cinema. Seu filme de estreia  Eu Matei a Minha Mãe é bem interessante e cheio de energia e, mesmo com os problemas comuns da falta de experiência, surpreende. Mas acredito que infelizmente ainda tratam Dolan como um bibelô. A impressáo que tenho de seu segundo filme, Amores Imaginários, e esse novo, LAURENCE ANYWAYS, é de que alguém disse pra ele que ele é artista e o negócio subiu à cabeça do rapaz. Não deve ser fácil criar auto-disciplina numa situação como a de Dolan, isso é verdade. Mas cinema mimado irrita, não importa a idade. Aqui Dolan tem uma premissa interessante: casal hétero sofre uma crise quando Laurence revela que se sente mulher e passa a se vestir como uma. Potencial para discutir questões de gênero num romance incomum. O que me restou foram longas 2h30min de coisas que já vi melhor e várias cenas com jeito de propaganda de perfume (Dolan deveria considerar isso). Enquanto reflexão sobre sexualidade e gênero, LAURENCE ANYWAYS é raso, usa muitas palavras e poucas imagens. Melvil Poupaud, bom ator, está bastante masculino, a ponto de eu esquecer de que na verdade estava olhando para uma mulher, e isso me incomodou. Parece que houve um receio de chocar, um equívoco. Já enquanto romance o filme é eterno, indo e voltando por um motivo ou por outro, e Dolan preenche o vazio com belas imagens e metáforas sensoriais que se desintegram assim que passamos para a cena seguinte. O filme é basicamente sustentado por Suzanne Clément, atriz excepcional, sempre uma figura que atrais seus olhos, pela vivacidade. Há momentos muito bons, como o da sala de aula, mas pra cada um deste há momentos constrangedores, como a festa de gala sem noção, um clipe do Dolce & Gabbana enfiado no meio da história. Esteticamente, só faz sentido porque o filme é de Xavier Dolan. Nesse meio tempo, a plateia suspira de tédio e se ajeita na cadeira. Um pouco de foco e auto-controle não faz mal à ninguém.

LAURENCE ANYWAYS
Cotação: FRACO
Visto em 13/09 no Elgin Theater
Por Filipe Marcena

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sonho/Pesadelo Punk de Reygadas


Dizer que POST TENEBRAS LUX (Chile, 2012) é um dos filmes mais estranhos já feitos, que é pretensioso, que exige paciência do espectador e que o diretor Carlos Reygadas é completamente dodói não te dará a mínima noção do que é a experiência desse filme. Na verdade, esse é o tipo de filme que me faz questionar pra que diabos serve um crítico (Império dos Sonhos fez exatamente isso, e com muita gente). É um filme pessoal feito para que experiências pessoais ocorram com ele. Em Cannes, onde ganhou o prêmio de melhor diretor, foi vaiado e destruído pela crítica. Não consigo taxar o filme de bom nem de ruim, pois é necessário questionar "a partir de quê esse filme é bom/ruim?", e existem poucas coisas parecidas com POST TENEBRAS LUX . É o filme mais fragmentado e desconexo de Reygadas, e foi bom escutar a recomendação da atriz Natalia Acevedo: "Procurem sentir o filme ao invés de entendê-lo". Acredite, isso te poupa um bom esforço desnecessário. Cinema é sonho, e depois de La Noche de Enfrente, um filme sonhado, mas de fundações mais sólidas e claras, foi tranquilo encarar as duas horas de simbolismo, fotografia histericamente bela e imagens inesquecíveis. Classificaria esse filme como o anti-A Árvore da Vida. Lembrou-me bastante o filme do Terrence Malick, só que ao avesso, sem os excessos de mensagem edificante metafórica. É um filme punk. Tem a história de uma família cujo pai tem surtos de violência, mas esse é apenas o fio de storyine mais óbvio. Um time de futebol inglês se prepara pra um jogo, os homens de uma cidade mexicana se reunem para falar sobre seus problemas e defeitos, pai e mãe visitam uma esquisita sauna francesa. Há algo de mítico no filme, com a relação que os homens têm com a natureza (Pã?) e com a presença de uma figura vermelha que prefiro não comentar. O final chocou a mim e a plateia, algo meio assustador, meio engraçado. Durante boa parte do filme, Reygadas se utiliza de uma técnica com suas lentes que deixa os cantos do quadro embaçados (o filme é 1.37:1, quadradinho). É um recurso que cansa depois de um tempo, e é a mais óbvia pista do "cinema sonho" que Reygadas propõe. Assim como o uso da canção It`s All a Dream, de Neil Young (o nome dele é o último nos agradecimentos). Usufrua do filme como tal. Pra mim foi moderadamente divertido e interessante, embora ainda não faça a menor ideia do que significam certas imagens e sequências. Talvez até assistiria novamente. Deve ser muito interessante vê-lo sob efeito de algum alucinógeno.

POST TENEBRAS LUX
Cotação: BOM
Visto em 12/09 no TIFF Bell Lightbox 1
Por Filipe Marcena

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Martírio, em mais de um sentido


Fui tentar ver Naomi Watts de perto da première mundial de THE IMPOSSIBLE (Espanha, 2012) e acabei ganhando um ingresso para a sessão no pomposo Princess of Wales Theater. Vi Naomi três vez (na entrada, na paresentação do filme e na saída), além de Ewan McGregor e Gael Garcia Bernal. "Star gazing" a parte, o novo filme de Juan Antonio Bayona (O Orfanato) agradou bastante ao público do TIFF (surpresa?). Pra mim, ficou no meio do caminho. Bayona é um diretor de cinema de horror e suspense com algum talento, mas a história do trágico tsunami que destriu a costa tailandesa em 2004 matando milhares foi uma escolha um tanto insensitiva, eu diria. Ou ao menos a maneira com que ele lida com o material parece imprópria depois de certo tempo. Em seu núcleo, THE IMPOSSIPLE é drama familiar de sobrevivência. Não tem muita profundidade e só não vira hit na Sessão da Tarde pelo altíssimo grau de violência física. Passada a insípida introdução de personagens, uma família inglesa de férias, Bayona brilha no que sabe fazer melhor: nos causar terror. Mesmo sem nos importarmos o suficiente com os personagens - sentimos tanto por eles quanto pelos coadjuvantes e figurantes -, a cena da tragédia é apavorante. É muito importante assistir com um bom equipamento de som. Faz algum tempo que o oceano não se tornava algo tão amendrontador. É aí que começa o martírio da família inglesa, especialmente Naomi Watts, que não tem muito o que fazer a não ser sofrer, e muito. Ela o faz muito bem, mas ela já fez muito antes e em filmes melhores. Ewan McGregor convence como pai de família, mas também está preso ao melodrama de Bayona. Frustra o incrível elenco (Tom Holland, que faz o filho mais velho, Lucas, é muito bom), efeitos especiais de ponta e a história com tanto potencial ser desperdiçada num filme que apenas em raríssimas ocasiões tem alguma profundidade. Enquanto não é uma novela com fotografia incrível, THE IMPOSSIBLE se divide em momentos horror, alguns genuínos, outros forçados e sem o menor tato. Bayona manipula emoções sem culpa, reduzindo a tragédia de muitos à lágrimas baratas e um final feliz que particularmente me ofendeu, mesmo entendendo que se trata de uma história real (o filme deixa isso bem claro no início, o que já anuncia o problema). Aliás, a família que sobreviveu ao tsunami é espanhola e estava na sessão. O único momento de emoção verdadeira foram os abraços trocados entre eles e o elenco (Watts e a verdadeira Maria passaram um bom tempo abraçadas), e mesmo considerando que a presença deles tem um ou mais dedos da equipe de promoção do filme, eles me pareceram honestamente comovidos. Pena que o filme seja incapaz de fazer o mesmo conosco. THE IMPOSSIBLE estreia no Brasil em dezembro.

THE IMPOSSIBLE
Cotação: FRACO
Visto em 09/10 no Princess of Wales
Por Filipe Marcena

O canto do cisne de Raoul Ruiz


Numa incrível projeção digital 4K DLP da reconhecida empresa Christie, patrocinadora do Festival pelo décimo segundo ano consecutivo, assisti à encantadora despedida de Raoul Ruiz, La Noche de Enfrente (Chile, 2012) que estava perto de ser finalizado antes de sua morte em 2011. Preciso parabenizar/agradecer ao Festival pela incrível qualidade de imagem e som (a única vez que vi algo no mesmo nível foi na mostra Kubrick da última Janela Internacional de Cinema). Um verdadeiro prazer assistir a um filme como esse em tais condições. A imagem cristalina preencheu a tela do Isabel Bader Theater com a fantasia nostálgica de Ruiz. Belíssimo o fato de seu último filme ser um retorno à sua terra natal, o Chile, e trazer fortes traços de autobiografia, a experiência é emocionante. O alterego de  Ruiz é Jean Giono, interpretado pelo genial Christian Vadim. O fio condutor narrativo são as memórias reais e imaginadas deste trabalhador prestes a se aposentar. Encontros consigo mesmo em várias épocas, conversas com os ídolos Beethoven e Long John Silver, amores, família e obscuros personagens de seu passado se entrelaçam numa espiral onírica que, desde o título (aqui é chamado de Night Across The Street) já prevê o inevitável destino do protagonista. É assustador por parecer premeditado, e ao mesmo tempo de arrepiar os pêlos do pescoço de tão lindo. O uso de canções é espetacular, tocou meus afetos mesmo sem eu conhecê-las, trouxe uma nostalgia por algo que não vivi. Essa talvez seja a prova maior do quanto o filme funcionou pra mim. Ajudou o fato de de eu ser um fã de cinema de gênero, e Ruiz tinha uma olhar especial para lidar com o fantástico e o sobrenatural. Confesso que fiquei irritado com a reação da plateia, que aplaudiu educadamente, sem muita empolgação (algumas horas antes havia presenciado os calorosos aplausos para Imogene). O público do TIFF realmente tem muitas coisas em comum com o do Cine-PE. De qualquer maneira, torço para que LA NOCHE DE ENFRENTE receba seu devido lançamento nos cinema do mundo. Fãs de cinema irão se deliciar e só temos que agradecer à Raoul Ruiz.

LA NOCHE DE ENFRENTE
Cotação: ÓTIMO
Visto em 08/09 no Isabel Bader Theater
Por Filipe Marcena

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Filme mais disfuncional que a família


Première mundial de IMOGENE (EUA, 2012) aconteceu no primeiro fim de semana do TIFF.  Após uma longa fila de espera peguei a segunda sessão do filme, que contou com a presença de Annette Benning, ovacionada ao fim do filme. Assim que a sessão acabou, percebi que o público desse festival está muito próximo daquele do Cine-PE, que aplaude pra ser simpático ou por causa do oba-oba, como se fosse a única reação aceitável num festival. A comédia é dirigida pelo casal Shari Springer Berman e Robert Pulcini, que há muito tempo atrás fizeram um filme bom chamado Anti-Herói Americano. A personagem título é uma dramaturga que encena um suicídio pra reconquistar o ex-namorado, e acaba sob custódia da mão perturbada. Segue uma dramédia que não sabe o que quer da vida, mudando de tom o tempo todo sem motivo. Kristen Wiig é uma ótima comediante e entendo ela tentar aprofundar sua veia dramática (algo que ela ensaiou em Missão Madrinha de Casamento), mas aqui ela parece miscast, ou então que houve uma mudança nos objetivos do filme com a sua entrada no projeto. Fora que o roteiro já não é muito interessante, se apoiando com frequência em soluções baratas e em gags. Benning tem um ou outro momento inspirado, assim como Matt Dillon, mas IMOGENE precisava de mais do que piadas engraçadas pra se sustentar. Enquanto comédia não traz nada de novo, enquanto drama familiar é ruim e enquanto cinema é nulo. A platéia adorou as cócegas e aplaudiu de pé, sinal de que pode se tornar um sucesso no circuito indie (seguindo regras do cinema de estúdio, algo cada vez mais comum). Kristen Wiig precisa encontrar material melhor que isso pra se estabelecer.

IMOGENE
Cotação: RUIM
Visto em 08/09 no The Bloor Hot Docs Theatre.
Por Filipe Marcena

domingo, 9 de setembro de 2012

This is Toronto!


 Uma viagem de quase 24 horas foi cempensada já na primeira noite em Toronto. Um taxista indiano não só insistiu em me fazer economizar dinheiro me levando até uma estação de metrô como me deu trocados para pagar a passagem. No albergue, no primeriro andar de uma casinha aconchegante cheio de cartazes de falsos filmes antigos, fui atendido como se fosse da casa. As pessoas são incrivelmente gentis, muitos "sorry" e "thank you so much". Toronto é uma cidade de estrangeiros, o que já me deixa confortável já que muitas vezes lido pessoas que já passaram por essa mesma situação. Engraçado como áreas muito movimentadas, cheias de prédios e carros estão a apenas alguns passos de áreas que parecem suburbanas, com casinhas, quintais e cercas em ruas tranquilas. Cada bairro traz uma identidade própria, mas não há, a princípio, uma segregação. A Universidade de Toronto, absolutamente linda e com funcionários solícitos. Há algo de Hogwarts em seus edifícios, herança do domínio inglês. Ah, claro, o festival. Jornais e noticiários em polvorosa com o evento. Nos dois primeiros dias estava mais preocupado em me instalar e conhecer um pouco a cidade, além de socializar com meus novos amigos. Uma rápida passada no Scotiabank Theatre para ver o ótimo Killer Joe, de William Friedkin (uma família saiu no meio do filme, horrorizada, o que rendeu alguns risos dos poucos presentes) e, na saída, Sam Rockwell procurando a sala da sua sessão. A ficha ainda não caiu. No segundo dia, um passeio à noite pelo King Street foi coroado com as visões de Amy Adams passando rapidamente no tapete vermelho de The Master (Joaquin Phoenix já havia entrado) e Eva Mendes saindo da sessão de The Place Beyond The Pines. Histeria, centenas de pessoas, gritos e flashes. Não sei o que se pensa sobre os filmes em si, mas esse oba-oba acaba sendo uma divertida perda de tempo. O festival não é só isso, mas parece viver disso. Na foto acima, tirada pelo amigo Sebastian Watts, Eva Mendes acenando. Ainda vou me embriagar com o star system de uma maneira ou de outra - e sem culpa -, mas a maratona de filmes começa hoje e eu escreverei sobre eles mais a frente no Kinemail Blog.

Por Filipe Marcena

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

37º Festival Internacional de Toronto

É com alegria, e já muitas saudades, que comunico minha "promoção" à correspondente internacional do Kinemail no Canadá. Graças ao programa Ciências sem Fronteiras, viajarei na noite de 4 de setembro ao país, onde vou morar por um ano e estudar cinema na Universidade de Toronto. Sou pura empolgação, nervosismo e ânsia para começar essa experiência na cidade mais aberta a culturas do mundo, e prefiro não classificá-la agora para não criar falsas expectativas. Com isso, meu tempo voltado para o Kinemail www.kinemail.com.br ficará mais restrito. Despeço-me temporariamente da coluna DICAS DE CINÉFILO com um de meus filmes favoritos, o fabuloso Ghost World - Aprendendoa Viver, de Terry Zwigoff. Mas isso não significa que estou me afastando do site. Entre um dia de aula e outro, encontrarei tempo para assistir a filmes e escrever sobre aqueles que futuramente serão lançados no Brasil, e já há uma pequena lista para dar baixa nesse primeiro mês. Além disso, já a partir da próxima edição, vou cobrir o primeiro Festival Internacional para o Kinemail.



De 6 a 16 de setembro a cidade mais populosa do Canadá recebe o Festival Internacional de Cinema de Toronto (ou TIFF, para os mais chegados), em sua 37º edição. Aqui você lerá sobre os filmes, os cinemas, as pessoas, os acontecimentos e o line-up do festival. O TIFF é conhecido pelo populismo, abrangendo filmes já lançados em festivais como Berlim, Cannes e Veneza, lançamentos hollywoodianos e obras mais obscuras, além de curtas e programas especiais. Entre os nomes mais populares desta edição, teremos nos programas Gala Presentations e Special Presentations os lançamentos mundiais de Cloud Atlas (Irmãos Wachowskie Tom Tykwer), Anna Karenina (JoeWright), Capital (Costa-Gavras), Great Expectations (Mike Newell), Argo (Ben Affleck), Much Ado About Nothing (Joss Whedon), Foxfire (Laurent Cantet), Dans La Maison (François Ozon) e Silver Linings Playbook (David O. Russell), além de filmes de veteranos em festivais, como Post Tenebras Lux (Carlos Reygadas), Spring Breakers (Harmony Korine), Passion (Brian De Palma), To The Wonder (Terrence Malick), Reality (Mateo Garrone), The Hunt (Thomas Vitemberg), Rust and Bone (Jacques Audiard) e The Master (Paul Thomas Anderson); no programa Masters, exibições de Amour (Palma de Ouro em Cannes 2012, de Michael Haneke), In Another Country (Hong Sang-soo), Something in The Air (Olivier Assayas), Gebo er l'ombre (Manoel de Oliveira), Like Someone in Love (Abbas Kiarostami) e La Noche de Enfrente (o último filme de Raúl Ruiz).



Entre os vários outros programas, os novos filmes de Rob Zombie (The Lords of Salem), Martin McDonaugh (Seven Psychopaths), Carlos Sorin (Días de Pesca), Mika Kaurismaki (Road North), Brillante Mendoza (Thy Womb) e Sergei Loznitsa (In The Fog), além de mostra focada na cidade de Mumbai, sessões especiais de Disque M Para MatarStromboli e San Soleil, os lançamentos da co-produção Brasil e Angola O Grande Kilapy (de Zezé Gamboa, com Lázaro Ramos), a a estreia mundial do pernambucano Era Uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes, com Hermila Guedes e João Miguel, além de muitos outros longas e curtas. Serão 289 filmes em 11 dias, uma maratona que será ainda mais complicada para mim, que não conheço a cidade, ainda estarei me instalando e já terei aulas alguns dias
após minha chegada. Se eu conseguir assistir a 10 filmes do festival, já será incrível e comentarei
para vocês. Por enquanto, me despeço do Recife e prometo aos leitores, aos colegas e a mim
mesmo publicar no Kinemail sempre que possível. Acompanhem e até breve!

Por Filipe Marcena