segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Parceria eletrizante Irmãos Safdie & Pattinson

Eu não conhecia o trabalho cultuado dos irmãos Josh & Bennie Safdie, entre longas e curtas anteriores. Precisou um lançamento comercial nos cinemas escorado no star power de Robert Pattinson para eu ver um primeiro filme deles. BOM COMPORTAMENTO (Good Time, EUA, 2017) passou em branco nas bilheterias ianques mas já começa a aparecer com justiça nas indicações em premiações (são 5 no Independent Spirit Awards, direção, montagem e 3 atuações).


Drama travestido de filme de ação frenética, os irmãos Safdie privilegiam a ação sobre psicologismos. Sabemos muito pouco sobre os personagens, mas basta saber que temos um homem desesperado, jovem marginal menos esperto do que se acha, que assalta um banco e entra numa noite de erros, erros e mais erros, alguns fatais, buscando uma tábua de salvação ao tentar proteger o que aindalhe resta de humano: um amor incondicional pelo irmão com problemas mentais. Os momentos entre Robert Pattinson (extraordinário, não menos que isso) e Benny Safdie (também ótimo como ator) são poucos mas fundamentais para que tenhamos interesse no destino de um protagonista que não te pede nenhuma compaixão, nem pena nem nada. Vale também notar que, sem qualquer momento de Crítica Social Foda, o filme faz um dos mais afiados registros de cinema esse ano sobre racismo na América, ambientado no suburbano Queens novaiorquino.

Excessivo esteticamente, com virtuosismo na fotografia, montagem e trilha sonora, que pode soar irritante para alguns mas é plenamente justificável na proposta do roteiro, Good Time guarda sua potência dramática num início com créditos pouco usuais, onde o título entra apenas quando começa a parte alucinada da ação e num final, sobreposto aos créditos, de partir o coração. Que paulada. Top Ten Kinemail 2017.


Cotação: MUITO BOM
Visto no Cinema do Museu
por Fernando Vasconcelos



segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Tensão e racismo em Detroit

Talvez quem faz o cinema mais macho atualmente nos EUA, a diretora Kathryn Bigelow derrubou no Oscar o ex-marido James Cameron (com Avatar), levando 6 estatuetas pelo tenso The Hurt Locker - Guerra ao Terror, incluindo o primeiro Oscar de direção para uma mulher. Dirigiu Near Dark, um dos melhores filmes de vampiros dos anos 80, o sucesso de ação Caçadores de Emoção e o fracasso (mas bem bom) de ficção científica Strange Days. A testosterona alta dos seus filmes fez o cartaz brasileiro de Detroit até esconder que é "filme de mulher", com a chamada "do mesmo diretor de Guerra ao Terror". A parceria com o jornalista Mark Boal vem se especializando num cinema que mixa linguagem de documentário e ficção, com muita câmera na mão, imagem nervosa e um tom jornalístico que evita melodrama, como na saga da caça à Osama Bin Laden em Zero Dark Thirty e agora nesse DETROIT EM REBELIÃO (Detroit, EUA, 2017) , que deverá mais uma vez se destacar nas indicações ao Oscar.


Dividido em três partes distintas em sua longa duração (2h23min), o filme abre com uma apresentação rápida para situar os conflitos raciais que chegaram aos motins históricos na cidade em 1967. O escopo é amplo e fez uma cobertura "jornalística" dos fatos, com algumas imagens reais e uma reconstituição eletrizante, onde vários personagens começam a se definir. O filme cresce quando foca numa noite de terror no Motel Algiers, quando a polícia cercou e atacou violentamente civis, na sua quase totalidade negros, que se divertiam com bebidas, drogas e sexo no local, pela suspeita de um possível atirador no hotel. Uma tragédia tomou conta do local, com agressão, violência e brutalidade racista de policiais "de bem" contra homens e mulheres indefesos (a maneira como os policiais racistas reagem à duas garotas brancas que estavam com os rapazes negros é angustiante), resultando em 3 homens negros mortos. Toda essa sequência é levada com maestria em tensão, domínio espacial interno e externo do motel e um elenco excelente, sendo o nome mais conhecido John Boyega (de Star Wars). A terceira parte é o inevitável processo nos tribunais, onde o filme se alonga e dá destaque dramático pouco relevante para a trajetória do jovem músico (Algee Smith) que sobreviveu ao massacre no motel. O filme, claro, está interessado mais em pensar os EUA hoje do que contar o fato histórico e, dado que muito pouca coisa mudou nos últimos 50 anos no tema do filme, vale demais ver.

Cotação: MUITO BOM
Visto no UCI Recife
por Fernando Vasconcelos



quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O Cinema do Corpo

Pequeno filme que chega elogiado em festivais internacionais, CORPO ELÉTRICO (Brasil, 2017) aborda o universo LGBT urbano na periferia de São Paulo, mas não é exatamente sobre ser gay, não social ou dramaticamente falando. O filme é antes de tudo sobre Elias, personagem que confunde-se um tanto com o próprio ator (o novato Kelner Macedo, presença forte na tela), 23 anos, paraibano, gay, trabalhador numa pequena confecção numa posição de confiança da dona, acima dos operários das máquinas. É a estreia do mineiro Marcelo Caetano em longa e, embora irregular na sua curta hora e meia de duração, o filme aponta para um cinema mais orgânico, vivo, observador de personagens, próximo a filmes pernambucanos nos quais Marcelo trabalhou na equipe (Tatuagem, Boi Neon e Aquarius).

Elias é perfeitamente apresentado ao espectador, na cama com um amigo, onde conta sua saudade de estar no mar, e no ambiente de trabalho. Logo ficamos interessados no que o filme irá nos contar sobre ele. Elias saiu de um relacionamento com um homem mais velho e vive sua sexualidade sem muitos planos ou complicações, na idade de um adulto ainda em formação, e veremos ele caçando homens para sexo, tendo uma relação livre com um colega de trabalho ou conquistando a amizade de um africano contratado temporiamente.



Marcelo diz que para abordar personagens operários observou o cinema de Carlos Reichenbach (1945-2012), em filmes como Falsa Loura e Anjos do Arrabalde, e eu senti bastante essa influência, como numa bela cena de passeio pela rua, quando a turma de colegas de trabalho sai do fim do expediente para uma cervejada caseira. É uma cena naturalista e ao mesmo tempo milimetricamente construída, até enquadrar na tela toda a turma de amigos, momento alto do filme. Também será após esta cena que os problemas do roteiro afloram. O filme sai um pouco de Elias para orbitar entre vários personagens, por vezes parecendo querer cumprir uma cota de representatividade gay, e se perde um pouco em círculos.

De qualquer forma, CORPO ELÉTRICO quer fugir mesmo das expectativas. Não é um filme sobre conflito social, pouco se aborda o preconceito e nunca temos violência, nem busca um arco dramático para Elias e muito menos uma narrativa romântica. Elias terá seus momentos de bebedeira e medo da solidão, assim como todos nós, e é desenhado como alguém sem muitas ambições profissionais, de querer encontrar um caminho de sucesso. Rumo ao final, em semanas de final de ano, o foco retorna para Elias e, numa casa de praia, o filme celebra o corpo, a liberdade e, curiosamente, também um casamento hetero, sem fechar as situações nem dar um ponto final. Entre erros e acertos, sobressai um cinema sensual, feito com prazer, cinema do corpo e, portanto, político.

Cotação: BOM
Visto em pré-estreia no Cinema do Museu
por Fernando Vasconcelos





quinta-feira, 20 de abril de 2017

Alien volta aterrorizante e despretensioso

VIDA (Life, EUA, 2017) é quase um remake de Alien com a nova roupagem da era digital. Nos dias de hoje, o cinema pode mostrar os atores flutuando eternamente sem gravidade (em Alien, os atores parecem estar num galpão industrial terreno mesmo) e o monstrinho extraterrestre pode ser uma espécie de arraia transparente flutuante digital. Tirando esses avanços tecnológicos, o filme repete praticamente o mesmo roteiro do sucesso de 1979. E isso não é ruim, pois o diretor Daniel Espinosa o faz com simplicidade, competência e despretensão, oferecendo diversão honesta para o espectador. 


A abertura, um plano-sequência incrível mas nada exibicionista, acompanha a tripulação de uma estação espacial, enquanto um deles está do lado de fora operando um braço mecânico para capturar uma cápsula desgovernada, voltando de Marte com amostras do solo. A cena é incrível porque vemos a ação de dentro da nave, ou seja, vemos quase nada, é como ver aquela sequência mirabolante que abre Gravidade (2012) só que do lado de dentro, no máximo por uma pequena escotilha da nave. Depois desse início tão animador, imaginei que o filme decairia. Porém, tudo segue de forma muito eficiente, embora previsível.


O ser extraterrestre, apelidado como Calvin, logo se mostra predador e um a um os tripulantes serão caçados. Aqui são seis, duas garotas bonitas, um oriental, um negro e dois famosos (Jake Gyllenhaal e Ryan Reynolds). Todos os ataques e mortes são empolgantes e bem realizados. A missão da equipe, em ritmo suicida, é não deixar o monstrinho chegar na Terra. Com corretos 1h40min de duração, direção de arte muito boa, trilha sonora não intrusiva, sem ambições de profundidade psicológica ou sci-fi científico, VIDA assume-se como um legítimo filme B de ação e terror, Daniel Espinosa nunca permite que o filme fique barulhento ou com excesso de efeitos visuais e ainda reserva uma boa e divertida surpresa para o final.


Cotação: BOM
Visto em cabine de imprensa Cinemark Rio Mar
por Fernando Vasconcelos





terça-feira, 28 de março de 2017

Parceria empolgante Shyamalan & McAvoy

Diretores que se destacam por um cinema mais autoral, pop e cativante costumam gerar fã-clube e muita expectativa. É assim com Quentin Tarantino e com poucos outros cineastas atuais, entre eles M. Night Shyamalan, que conquistou o mundo com O Sexto Sentido em 1999 e manteve o hype por uma década, com filmes na maior parte memoráveis, até se perder em projetos de encomenda (O Último Mestre do Ar e Depois da Terra). Com A Visita (2015) ele recuperou o prestígio e agora, numa escala maior de sucesso de público e crítica, FRAGMENTADO (Split, EUA, 2016) confirma Shyamalan como um dos mais interessantes cineastas americanos atuais passando no seu multiplex. Longe de ser um grande filme, FRAGMENTADO é acima de tudo boa diversão, com suspense e tensão acima da média, roteiro original e direção segura, dando palco para o escocês James McAvoy brilhar como protagonista, num elenco que conta com as presenças de Anya Taylor-Joy (A Bruxa) e Betty Buckley (marcante em Fim dos Tempos do próprio Shyamalan e também no clássico Carrie, A Estranha de Brian De Palma).



Na boa sequência de abertura, conhecemos um rapaz estranho que sequestra três garotas numa festa de adolescentes. Elas ficam presas num lugar subterrâneo não identificado e ele apenas diz para elas não tentarem fugir. Cada vez que ele abre a porta para falar com elas, uma nova personalidade surge. São 23, das quais James McAvoy se delicia interpretando 4 em destaque, o sequestrador, uma senhora, uma criança de 9 anos de idade e um designer de moda bastante afetado, que sai do local e se encontra regularmente com uma terapeuta especialista em múltiplas personalidades, vivida por Betty Buckley, que consegue sobreviver a um personagem basicamente expositivo, sempre explicando ao espectador a patologia do protagonista. No processo de conflito entre as várias personalidades, todas elas temem aflorar uma vigésima quarta, perigosa e incontrolável. Mais do que isso não deve ser dito, pois ponto fraco e forte nos filmes de Shyamalan, o velho truque de reviravolta e revelações estará a caminho no terço final. 


Vale citar o anterior e bem mais eletrizante Síndrome de Caim (Raising Cain, EUA, 1992), realizado por Brian De Palma com um John Lithgow sensacional em múltiplas personalidades. O filme de Shyamalan tem um ritmo mais lento, não busca sustos nem correrias, enquanto desenvolve os personagens e enredo. Há uma narrativa em paralelo em flashbacks da infância de uma das garotas (Anya Taylor-Joy) que, mesmo com resolução pouco relevante, causa tensão pelo tema de abuso sexual e arma um jogo psicológico de gato e rato no cárcere. Se o tema pode ao final parecer apenas muleta superficial para a boa diversão, não há como negar que Shyamalan está num bom momento novamente, trabalhando com orçamento baixo, com despretensão em realizar algo "importante" e satisfazendo o espectador com bom cinema. Como designer gráfico, destaco os belos letreiros iniciais e finais, fragmentando a tela em 24 partes, e a elegante direção de fotografia de Mike Gioulakis (de It Follows - Corrente do Mal).


Cotação: MUITO BOM

Visto em cabine de imprensa Cinemark Rio Mar
por Fernando Vasconcelos