segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Que país é esse?


Existe uma necessidade no cinema brasileiro de histórias sobre as classes média e média alta, que só são mesmo populares nas telenovelas. São poucos os exemplos de filmes que investem em personagens e conflitos típicos desses grupos, justamente os maiores consumidores de cinema do Brasil. Em Pernambuco isso vem ficando muito forte. Um Lugar ao Sol, documentário de Gabriel Mascaro, escolheu como objeto de estudo os moradores das coberturas brasileiras. Causou polêmica, foi amado e criticado e continua tendo sua ética discutida. Logo mais estreiam O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, sobre a vida no bairro classe média Setúbal, no Recife; Boa Sorte, Meu Amor, de Daniel Aragão, que já apontou a câmera para a juventude abastada em seus curtas; e Todas as Cores da Noite, de Pedro Severien, também sobre jovens classe média. Paulo Caldas, do recente Deserto Feliz, acabou sendo o primeiro em termos de ficção a dar as caras com PAÍS DO DESEJO (Brasil | 2011), que tem protagonistas sem maiores problemas financeiros. O filme é sobre a crise religiosa de um padre, o reencontro com a arte de uma pianista hemofílica, e sobre a necessidade de mais amor no mundo. Ou algo assim.

PAÍS DO DESEJO é uma grande tentativa de fazer cinema sério, adulto, profundo, 'artístico' sobre as relações humanas com o religioso e o corpóreo. A competente abertura por exemplo, faz um bom trabalho de introdução nesse sentido. Infelizmente nunca passa da abertura. Existe um cuidado técnico e muita pretensão na concepção estética do filme, e se a princípio isso pode ser um elogio, por outro ado chega a incomodar a dureza das imagens. São inúmeros planos estáticos com baixíssima profundidade de campo, ou seja, pouco movimento e pouco a se ver. Reside nos atores o trabalho de carregar o filme, mas eles não tem muito com o que trabalhar. São diálogos constrangedores, situações mal desenvolvidas, personagens sem vida, sem carne nem osso. Basta dizer que numa revelação crucial, uma dramática declaração de amor, o cinema caiu em gargalhadas. Maria Padilha, como a pianista Roberta, claramente sofre para dizer uma frase que seja com naturalidade, enquanto Fábio Assunção jamais convence como padre, embora se esforce. Bons atores como Germano Haiut, Nicolau Breiner, Lívia Falcão e Nash Laila são totalmente desperdiçados numa decepcionante direção de atores, enfraquecendo o pouco que se tinha. PAÍS DO DESEJO ainda erra na música mal utilizada, na falta ritmo e cadência na montagem, no roteiro que mistura aborto, transplante de rins, crise cristã e hipocrisia numa estrutura incoerente, e no visual, onde tudo o que se vê em cena é irritantemente azul, sem simbolizar coisa alguma. E mesmo considerando que a cidade onde o filme se passa é fictícia, personagens sem identidade geram lugares sem identidade. Esse país é um que não existe, e que não chega a lugar algum. O único desejo que fica é o de que façam um outro filme com a personagem da japonesa interpretada por Juliana Kametani, que aqui não serve de nada, mas é a coisa mais interessante do longa.

por Filipe Marcena

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