segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Detalhes de uma investigação policial na Anatólia


Começam a se definir os melhores filmes desta 35ª Mostra SP e ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA (Once Upon a Time in Anatolia | Turquia | 2011) está certamente entre eles. Filme do festejado (no meio cult cinéfilo) turco Nuri Bilge Ceylan (de Climas e Três Macacos), dividiu o prêmio do júri no Festival de Cannes com O Garoto da Bicicleta (que também está na Mostra). Eu nunca tinha visto antes um filme de Ceylan, receoso de uma certa afetação estética vista em trailers e imagens. Mas esse novo filme foi considerado mais direto, sem muitos floreios, o que me animou. E, uau!, que cartão de apresentação fenomenal que é ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA, um filme arrebatador. Temos uma investigação policial mas, claro, tem nada a ver com o padrão norte-americano e muito mais um parentesco com o romeno Polícia Adjetivo. Filmando em largo CinemaScope, Ceylan começa a jornada lenta e tensa à noite, quando dois sujeitos algemados são levados por uma equipe de policiais, mais um investigador e um médico, em busca de um corpo enterrado em algum lugar descampado próximo da cidade. Todo o processo é mostrado em detalhes, enquando vamos conhecendo os personagens. Logo se define o tom humanista do filme, que não está interessado em vilões, motivo do crime ou culpa dos supostos marginais. Assim como o personagem do médico, o filme está mais interessado em observar essas pessoas e as relações entre elas. Como estamos longe de uma investigação criminal à CSI, somos tomados de surpresa por tomadas estranhas, como um momento em que a câmera acompanha uma maçã que cai de uma árvore, rolando até a beira de um riacho, sem nenhum motivo aparente, mas com uma beleza incomum em observar a natureza. Outro elemento de destaque estético é a clara divisão do filme entre a noite misteriosa e o dia claro e mais objetivo da manhã seguinte.

A dormida da equipe na casa de um amigo de um dos investigadores, antes de voltar à cidade, tem uma cena assombrosa, quando uma garota serve comida numa bandeja iluminada por um lampião, parecendo (a confirmar) filmada em câmera lenta, com um efeito de puro encantamento e, novamente, sem nenhum motivo para mover a  trama que, na verdade quase inexiste no formato convencional, nenhum personagem passa por um arco dramático, apenas conhecemos um grupo de pessoas durante as longas 2 horas e 45 minutos de duração que, dependendo do espectador, pode até  parecer pouco tempo, pois gradativamente aumenta nosso interesse por esses pessoas um tanto discretas, solitárias, humanas. Quando enfim o corpo chega ao necrotério, esse filme predominantemente ambientado num universo masculino ganha novas cores com a presença forte de uma mulher, a viúva da vítima, e seu filho. Uma fala, uma lágrima, alguns olhares são suficientes pra perceber compaixão, humanidade, num mundo árido e algo exótico para nós, os espectadores ocidentais, mas que nos irmanamos com estas pessoas na simplicidade universal da condição humana. Belo, impressionante, ERA UMA VEZ NA ANATÓLIA, a Turquia tentará uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro no próximo Oscar.

por Fernando Vasconcelos

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