quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Milagre pagão


Bruno Dumont continua a ressignificar o sagrado e o religioso com FORA DE SATÃ (Hors Satan | França | 2011), exibido em competição em Cannes. Seu filme anterior, O Pecado de Hadewijch, foi bem sucedido em sua análise sobre o fanatismo e a fé, mas já apresentava sinais de cansaço de exercício de Dumont. Esse novo confirma a fadiga, embora ainda seja bastante assistível. Dumont, mais do que nunca, não se prende a explicações e deixa o ritmo lento e as ações inusitadas capturarem nossa atenção, o que deixa muita gente incomodada e coçando a cabeça ao final do filme. Acompanhamos um homem estranho (David Dewaele, que estava em Hadewijch) e sua única amiga (Alexandra Lematre, uma mistura de Lorna com a garota com a tatuagem de dragão) às voltas pelas estradas e campos do interior francês. Ambos vão à casa dela e, com uma espingarda, ele assassina um homem, seu padrasto. Esse primeiro choque marca do desenvolver da narrativa, que é bem simples mas sempre busca transcender. O homem é uma espécie de santo não anunciado, embora nada indique qualquer relação com o cristianismo. Reverencia a natureza, indicando uma crença pagã. Ao mesmo tempo, pratica algo próximo de exorcismos em garotas, o que pode contradizer as raízes pagãs de suas práticas. Entre um longo e belo plano estático e outro, poucos eventos e muito simbolismo. FORA DE SATÃ traz uma estranheza conhecida, uma lentidão e dificuldade que nos acostumamos a esperar de Dumont, e talvez por isso não cause maior choque. Com exceção da bizarríssima cena de sexo que nenhum outro filme nessa Mostra deve bater, as cenas cruciais de FORA DE SATÃ causam no máximo uma curiosidade momentânea. Não precisamos de respostas para os milagres encenados para aceitarmos a provocação, mas a quase que total falta de pistas do filme nos impede de uma aproximação maior.

por Filipe Marcena

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