quinta-feira, 17 de agosto de 2017

O Cinema do Corpo

Pequeno filme que chega elogiado em festivais internacionais, CORPO ELÉTRICO (Brasil, 2017) aborda o universo LGBT urbano na periferia de São Paulo, mas não é exatamente sobre ser gay, não social ou dramaticamente falando. O filme é antes de tudo sobre Elias, personagem que confunde-se um tanto com o próprio ator (o novato Kelner Macedo, presença forte na tela), 23 anos, paraibano, gay, trabalhador numa pequena confecção numa posição de confiança da dona, acima dos operários das máquinas. É a estreia do mineiro Marcelo Caetano em longa e, embora irregular na sua curta hora e meia de duração, o filme aponta para um cinema mais orgânico, vivo, observador de personagens, próximo a filmes pernambucanos nos quais Marcelo trabalhou na equipe (Tatuagem, Boi Neon e Aquarius).

Elias é perfeitamente apresentado ao espectador, na cama com um amigo, onde conta sua saudade de estar no mar, e no ambiente de trabalho. Logo ficamos interessados no que o filme irá nos contar sobre ele. Elias saiu de um relacionamento com um homem mais velho e vive sua sexualidade sem muitos planos ou complicações, na idade de um adulto ainda em formação, e veremos ele caçando homens para sexo, tendo uma relação livre com um colega de trabalho ou conquistando a amizade de um africano contratado temporiamente.



Marcelo diz que para abordar personagens operários observou o cinema de Carlos Reichenbach (1945-2012), em filmes como Falsa Loura e Anjos do Arrabalde, e eu senti bastante essa influência, como numa bela cena de passeio pela rua, quando a turma de colegas de trabalho sai do fim do expediente para uma cervejada caseira. É uma cena naturalista e ao mesmo tempo milimetricamente construída, até enquadrar na tela toda a turma de amigos, momento alto do filme. Também será após esta cena que os problemas do roteiro afloram. O filme sai um pouco de Elias para orbitar entre vários personagens, por vezes parecendo querer cumprir uma cota de representatividade gay, e se perde um pouco em círculos.

De qualquer forma, CORPO ELÉTRICO quer fugir mesmo das expectativas. Não é um filme sobre conflito social, pouco se aborda o preconceito e nunca temos violência, nem busca um arco dramático para Elias e muito menos uma narrativa romântica. Elias terá seus momentos de bebedeira e medo da solidão, assim como todos nós, e é desenhado como alguém sem muitas ambições profissionais, de querer encontrar um caminho de sucesso. Rumo ao final, em semanas de final de ano, o foco retorna para Elias e, numa casa de praia, o filme celebra o corpo, a liberdade e, curiosamente, também um casamento hetero, sem fechar as situações nem dar um ponto final. Entre erros e acertos, sobressai um cinema sensual, feito com prazer, cinema do corpo e, portanto, político.

Cotação: BOM
Visto em pré-estreia no Cinema do Museu
por Fernando Vasconcelos





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